Esdras do Nascimento: Atrás de toda obra romanesca há um homem, o engajamento pessoal de um homem. Até que ponto Avalovara significa para o seu autor, uma tentativa de respostas a questões postas pela vida? De que natureza seriam essas questões?
Osman Lins: Aqui e ali, realmente, busquei certas respostas. Não foi isso, porém, que regeu o romance. Quando escrevi Guerra sem Testemunhas, minha atitude mental e meus objetivos eram outros. Tratava-se de um ensaio e eu procurava enfrentar uma série de questões, algumas de ordem prática e todas relacionadas como o ofício de escritor. Moveram-me a escrever Avalovara, que é um romance, razões bem diferentes. Eu ambicionava realizar um texto que, sem limitar-se apenas a isto, expressasse a minha paixão pela escrita e pelas narrativas. Um livro que fosse, no primeiro plano, se assim posso dizer, uma alegoria da arte do romance. Há muito tempo preparava-me. O projeto básico da obra e seu arcabouço estão ligados à arte de narrar e aludem constantemente à ambigüidade da palavra. Lendo-o com atenção, vê-se que tudo isto o atravessa gerando uma infinidade de motivos.
Outro afluente importante na gênese da obra era o amor humano. As sugestões simbólicas do corpo e o sentido cósmico da união carnal, como se sabe, atraem o homem desde os tempos mais remotos. Lê-se num velho texto hindu: “Não há perfeição sem o corpo, nem beatitude.” Ainda certos livros religiosos da Índia dizem que a representação do prazer amoroso é uma imagem da sílaba Om, a fórmula religiosa sagrada entre todas e que representa o absoluto. O encontro dessas duas vertentes _ de um lado a escrita e as narrativas, de outro o amor carnal e o corpo _ naturalmente, não surgiu por caso. Eu lembraria aqui que uma das personagens, havendo nascido duas vezes (motivo gerado da idéia desse segundo nascimento que é a nomeação das coisas) é, ao mesmo tempo, carne e verbo: as palavras perpassam pelo seu corpo, visíveis e audíveis.